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Katerina Hatzikidi and Eduardo Dullo (eds.), A Horizon of (Im)possibilities: A Chronicle of Brazil's Conservative Turn University of London Press, 2021, pp. xxii + 228

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Katerina Hatzikidi and Eduardo Dullo (eds.), A Horizon of (Im)possibilities: A Chronicle of Brazil's Conservative Turn University of London Press, 2021, pp. xxii + 228

Published online by Cambridge University Press:  19 June 2023

Odilon Caldeira Neto*
Affiliation:
Universidade Federal de Juiz de Fora
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Abstract

Type
Reviews
Copyright
Copyright © The Author(s), 2023. Published by Cambridge University Press

No Brasil, o avanço de setores conservadores e extremistas de direita mobilizou uma já extensa bibliografia. Em linhas gerais, o esforço coletivo de análise tem rendido bons frutos, como pode ser averiguado em A Horizon of (Im)possibilities: A Chronicle of Brazil's Conservative Turn. O livro traz importantes contribuições para o campo de estudos, aspectos que são delineados desde a introdução.

Uma característica positiva da coletânea, explícita desde as páginas iniciais, é a recusa em cair em reducionismos, que tendem a sintetizar o caso brasileiro mais recente, como uma espécie de mimetismo do avanço das direitas globais. Isto é, seria o bolsonarismo o trumpismo em verde e amarelo?

A recusa em reduzir o Brasil aos Estados Unidos não exclui, claro, a preocupação com o trânsito transnacional. Mas as perguntas fundamentais da coletânea podem ser sintetizadas em duas: ‘Quais foram os fatores que possibilitaram a “virada conservadora” no Brasil?’ e ‘De que maneira a ascensão de Bolsonaro é reflexo de uma crise mais profunda?’

É evidente que, apesar do fato de o ‘bolsonarismo’ ter se apropriado do uso de estratégias comunicacionais similares à linguagem da ultradireita dos Estados Unidos, a sua base social e capilaridade política apresenta maior diversidade. Desta maneira, o objetivo coletivo do livro supõe, acertadamente, que o quadro a ser analisado é mais facetado, difuso e ocorre num país estratégico para a estabilidade da democracia na região e no Sul Global.

O apelo à particularidade não deve ser interpretado como o argumento central de um quadro analítico dissociado do panorama global da expansão da ultradireita. A tensão entre local e global é fundamental. É evidente que esses novos fenômenos e novas lideranças convergem no sentido reativo (e também propositivo) às crises da democracia e aos efeitos nocivos decorrentes da globalização e da desregulação de mercados de trabalho.

Mas seria inoportuno reduzir o quadro brasileiro apenas à dimensão de uma ‘adequação’ às ondas da direita radical. Por mais que a percepção global do fenômeno, tal qual delineado na interpretação de Cas Mudde, forneça importantes chaves interpretativas para entender o transnacionalismo, é importante considerar as características locais, inclusive por que esta ‘nova onda’ faz uso do discurso nacionalista e dos valores de comunidades imaginadas. E o contexto das direitas, na América Latina, lida com um passado ainda recente, das ditaduras militares.

Assim, ainda que exista uma sincronia em plano global, é necessário um olhar que considere as especificidades local e regional como características pertinentes de análise. O livro é bastante satisfatório neste sentido: em primeiro lugar, ao considerar que existe uma história de ‘longa duração’ do autoritarismo brasileiro, que se entrelaça nas tramas da sociedade brasileira, na construção de uma identidade nacional hegemônica e marcada pela exclusão. A longa duração se manifesta também na forma como se organizam desde movimentos sociais contestatórios, assim como grupos conservadores.

Essas dinâmicas são analisadas, no livro, principalmente no capítulo ‘The Past of the Present’, de Lilia Moritz Schwarcz. Além disso, essas reações estão inscritas em perspectivas mais recentes, mas também com características locais. A organização de grupos contrários às políticas afirmativas é um componente de grande intensidade na formação do caldo cultural e político do bolsonarismo. O capítulo ‘Denied Recognition’, de José M. Arruti e Thaisa Held, demonstra como o pêndulo entre ‘re-democratização’ e ‘des-democratização’ é incorporado na formação e atuação de grupos quilombolas. Em contrapartida, os setores conservadores se mobilizam para reagir ao avanço destas pautas. Este é um ponto de grande interlocução com o capítulo de Graziella Moraes Silva, ‘After Affirmative Action’, que se dedica a analisar as medidas de reação às políticas afirmativas.

É importante considerar que estes dois capítulos, que lidam com uma conjuntura relativa a eventos mais recentes, decorridos ao longo dos últimos governos federais do Partido dos Trabalhadores, estão inscritos em uma problemática de ‘longa duração’, isto é, à formação do autoritarismo brasileiro.

No entanto, se há uma preocupação pertinente sobre as raízes autoritárias que vão se encontrar na formação do bolsonarismo, o livro merecia uma maior profundidade do ponto de vista da história política do extremismo de direita no Brasil. É possível situar dois eventos fundamentais. O primeiro deles é a formação de intelectuais e movimentos políticos que orbitavam o campo do autoritarismo e do fascismo brasileiro ao longo do século XX (o movimento integralista, por exemplo). Além disso, a experiência mais recente da ditadura militar iniciada em 1964 é um fator de grande importância.

Este olhar mais apurado, em termos históricos, seria interessante para compreender as tradições e fundamentos da extrema direita brasileira, particularmente o discurso anticomunista, as suas apropriações e reformulações no tempo recente. Esta preocupação faz sentido não apenas pela existência de teorias conspiratórias presentes no universo bolsonarista, o que já justificaria a análise. Além disso, a questão militar demonstrou ser um aspecto de central importância na construção de um apelo político mais amplo – isto é, a militarização da política brasileira – assim como o viés político das Forças Armadas brasileiras.

É compreensível, contudo, que os organizadores tenham privilegiado as análises situadas em termos mais recentes, inclusive por razões editoriais e da extensão do volume. A coletânea, de fato, é bastante apropriada na análise das novas facetas das direitas brasileiras. O capítulo de Camila Rocha, intitulado ‘From Orkut to Brasília’, analisa justamente a formação de novos públicos conservadores do Brasil. Passados alguns anos do fenômeno da ‘direita envergonhada’, uma nova direita tomou espaço, conjugando antigas características e novas demandas. Sobre as novas demandas, é importante situar as considerações de David Lehmann em ‘Ritual, Text and Politics’ sobre a presença de grupos evangélicos na política brasileira, assim como a diminuição do poderio de católicos. De fato, como indicam os demais textos de Andreza Aruska de Souza Santos (‘From Participation to Silence’), de Jessica Sklair (‘Development Opportunity or National Crisis?’) e Jeff Garmany (‘Politics and Collective Mobilisation in Post-PT Brazil’), a girada conservadora, no Brasil, adquire impactos de dimensões regionais e, inclusive, global.

É sabido que a derrota de Jair Bolsonaro para Lula da Silva marca o fim do governo Bolsonaro. Mas o giro conservador terá fim? O que se convencionou denominar de ‘bolsonarismo’ teve o último capítulo? Há indícios que não. A obra traz indicativos para analisar que se formou, ao longo da última década, uma geração de indivíduos marcados pelos apelos conservadores. E, também, uma vaga política a ser ocupada e disputada.

Além disso, há tendências mais extremadas, que são mobilizados em eventos antidemocráticos, como ocorridas na tentativa golpista de 8 de janeiro de 2023. Contudo, o desafio parece mais amplo do que um franja extremada. O efeito Bolsonaro, lido em pluralidade como a coletânea possibilita, tende a responder a anseios mais difusos e profundos que as teorias de conspiração. Por isso, o olhar não reducionista é tão importante.